terça-feira, agosto 16, 2005

testando meus contos - a semente do mal parte 3(final)

Aqui esta o meu terceiro conto pra vocês avaliarem. Espero recber críticas e o mais importante, temas pra abordar sobre a maldade humana. Conto com vocês!


Sua profissão exigia um esforço físico tremendo, pois não sabia o que fazer quando estava em um palco divertindo velhos, adultos e crianças. O que fazia lhe trazia a maior angústia, pois se sentia mal por passar uma imagem que não correspondia à própria, que era de aflição e tristeza. Colocar aquela roupa larga parecia vestir a roupa de um condenado á morte tamanha a angústia que sentia. Tinha que se sustentar e aquele trabalho parecia honesto e rendia bastante. Porque não ser feliz ganhando bem? Faltava-lhe a confiança para dizer que não gostaria mais de ser submetido a aquela pressão. Muitos não sabiam seu nome, mas o chamavam de Verdinho. Verdinho era um palhaço que como nunca se viu na Terra, pois arrancava risos das mais sisudas e carrancudas caras. Não havia ninguém que pudesse resistir ao seu encanto natural para a comédia. Ele era exímio nisso. Mas ninguém sabia que ele padecia de um pavor doentio de se apresentar como palhaço. Não sabia porque, mas sempre teve medo de palhaços. Além dessa profissão, é um ator de talento inigualável e gosta em especial de tragédias gregas e dramas. Nesse momento se sente feliz. Mas estava velho e ninguém queria atuar com ele devido ao seu extremo perfeccionismo em cena, chegando a incorporar os personagens que interpretava, sendo sua atuação como o Fantasma da Ópera uma das mais aplaudidas por seu semblante sinistro ao colocar toda a angústia de um homem que ficara deformado e não tivera seu amor correspondido. Recebeu prêmios por suas atuações dramáticas, mas isso era passado e hoje ele se tornara o que mais temia, um palhaço.

O picadeiro lotado, os acrobatas, as belas e seminuas partners de mágicos, os engolidores de fogo os domadores...

Tudo lhe agradava e queria muito ser mágico quando moleque, mas o destino o confrontou com seu maior medo, os minimalísticos e pantomímicos palhaços. Em cena era apenas Verdinho, o palhaço que todos amavam, mas quando as luzes se apagavam, era apenas ele o velho homem que tinha medo de sua profissão. Queria ser qualquer coisa, até trabalhar com explosivos, mas o destino quis que ele se tornasse um palhaço. O que lhe fazia continuar era o ar feliz que passava, pois traumas eram momentaneamente esquecidas, dores deixadas de lado, amores se reencontravam. Ele se sentia um verdadeiro anjo da guarda.

Como sempre fazia, dava uma volta pelo parque aproveitando as poucas folgas que dispunha. Algo lhe chamou a atenção. Uma menina triste e com um lenço na cabeça olhava sem rumo para o chão sentada um banco de praça. Sua pele era pálida e sem vida, suas mãos finas e delicadas. Parecia muito nova, mas já tinha 19 anos. Era bonita, mas sentia uma dor enorme dentro de si que não acabava. Era órfã, cuidada por uma tia inescrupulosa que não via a hora de se livrar dela. A moça frágil estava se recuperando de um câncer através de um transplante de medula. Dera certo, mas a angústia que a corroía, não era pela doença, mas pelo abandono e preconceito que as pessoas a olhavam. Verdinho se aproximara e ela lhe contara tudo, até do casamento que perdera, pois seu noivo não queria ter um filho que desenvolvesse câncer. Além do fato dele ser tarado por mulheres doentes e querer sexo a qualquer hora. Dizia que lhe excitava transar com alguém que parecia um zumbi e sempre que ela cedia, pedia para não mover um músculo enquanto ele fazia o que queria com ela. Revoltante até para os mais pacientes dos mortais, pensava Verdinho, um viúvo que ainda ama a mulher e adora os netos, sua razão de viver. Ver aquela pessoa que perdera parte de seu respeito e saúde lhe fez repensar vários conceitos. Mas seu medo ainda era forte.

Beijou a moça e foi embora. Nunca mais a viu.

No dia seguinte foi ao seu trabalho e executou como sempre primorosamente sua tarefa. Foi ao seu camarim se arrumar. Errara naquele dia o local onde tirava a maquiagem e pela primeira vez em muitos anos olhara para seu rosto maquiado como palhaço. Gelou na hora, pois seu camarim não tinha espelhos e sempre pedia para alguém lhe fazer a maquiagem.

Olhou para aquela feição de felicidade estampada falsamente em seu rosto e não conseguiu falar. Paralisou. Ficou catatônico. Estático. Sem reação.

Queria fugir, mas sua vontade lhe fugia. Estava sozinho e sem ninguém para ajudá-lo.

Ficou assim durante três horas. Até o momento em que se lembrou da moça com o lenço na cabeça.

Uma euforia o dominou por completo e ele finalmente tirou a maquiagem e foi para casa.

Algumas semanas depois, era outra pessoa, mais feliz e menos melancólica. Lembrou que medos podem ser superados, mas traumas são difíceis de lidar. Esperança era algo que deveria ter, pois era um agente do bem. Encontrou a moça novamente, só que com mais cabelos e sem o lenço. Estava curada e longe de sua tia, morando com amigas que nunca lhe deixaram na mão nas horas mais difíceis. Conhecera uma delas e se tornaram grandes amigos. A moça se chamava Luzia e sua amiga Laís, ele queria ser apenas chamado de Verdinho. A partir daquele momento soubera que nada deve nos abater se temos um dom que alivia o sofrimento de outros e com esse pensamento os três foram naquele dia quente, tomar um delicioso sorvete.

quarta-feira, agosto 03, 2005

testando meus contos - a semente do mal parte 2

Aqui vai o segundo dos tres contos que estou a escrever sobre as obsessões humanas e suas conseqüências.
Divirtam-se.

O Ídolo

Ângela não tinha muitas ambições na vida, nada que uma jovem do subúrbio da cidade não quisesse, além de uma vida melhor para si, pelo fato de já morar sozinha há dois anos e nem ter amigos para conversar. Se bem que ela não ajudava muito, pois era de poucas palavras e todos a achavam muita estranha por ser tão fanática por músicas que evocassem o revanchismo e a morte por bandas que tinham a fama de matar bodes em shows e convidar as fãs para se despirem e se banharem no sangue do animal em pleno palco. Uma dessas bandas em particular era a mais violenta de todas, a Bleeding Noses in Pain, formada em sua maioria por doentes e maníacos homicidas que se apresentam com a escolta de policiais, não por oferecerem perigo, mas sim evitar que fãs mais exaltados cometam atos de mutilação em massa, como um velho senhor que cortou a própria face com uma faca afiada escrevendo o nome da banda em letras sangrentas em seu rosto para homenagear a soltura por bom comportamento de Biliz, o vocalista da banda que de longe é o mais comportado que todos que se meteu em uma briga e esfaqueou um desafeto, que no final disse que era uma honra ter uma cicatriz no ombro, pois era um fã da banda, bom tem louco pra tudo...

Ângela sempre quis conhecer Biliz, não por um autógrafo, mas sua obsessão maior era ser assassinada por ele e não satisfeita desejava em seu íntimo que ele usasse sua cabeça como um troféu na sala de estar da banda.Sem contar que seu sonho recorrente era ser estuprada por todos os membros ao mesmo tempo em que seu corpo era riscado por afiados bisturis e toda a ação era filmada. Seus desejos eram particulares e era não revelava a ninguém sua estranha e odiosa obsessão a sufocava mais e mais sem poder satisfazer-se. Via filmes de sadomasoquismo com os mais altos requintes de crueldade, mas desenvolvera uma resistência tão alta a tais filmes que bondage, coprofagia, urolagnia e outras aberrações nem a espantavam mais. O mais estranho de tudo isso era que tivera experiências sexuais fugazes e sem muitas novidades, que se atinham apenas ao velho “papai e mamãe”, tudo era sem graça para ela.

E apesar de corajosa para imaginar, tinha medo de satisfazer suas fantasias. Teve uma vez que pedira para um estranho lhe amarrar nua e lhe espancar. Arrependeu-se na hora. O estranho lhe bateu tanto que lhe quebrou duas clavículas, o braço e as duas pernas. Quase fora morta quando o facínora lhe apontou uma arma para sua cabeça e apertou. Estava brincando de roleta russa com duas balas na agulha. Fora salva a tempo quando um vizinho chamou a polícia e matou o estranho quando ele apertara o gatilho pela quarta vez consecutiva.

Algo bom ocorreu disso tudo, enquanto se recuperava, recebia a visita de Hans, seu vizinho e psiquiatra renomado que não entendia porque tanta misantropia da parte de Ângela.

O velho psiquiatra não compreendia como uma moça de 21 anos, bonita, que se veste bem tem uma vida tão solitária e infeliz. Perguntara porque ela agia assim e ela respondia que não sabia, pois fora criada com todos os mimos que uma família possa dar e nunca nada lhe faltou. A partir daí sentia-se vazia e sem rumo na vida e nem entendia sua angústia interior. Sentia-se bem imaginando coisas macabras e ver gente sofrendo lhe dava prazer. Lembra-se que quando era mais nova se masturbava vendo filmes de terror e gozava quando alguém morria de forma cruel.

Seus sonhos de terror se tornaram mais macabros depois de sofrer toda essa violência e lembrar do sangue do estranho banhando seu corpo lhe dava um enorme êxtase.

Com o tempo, Ângela começou a se consultar com o Dr. Hans e lhe confessou todos seus sonhos e a contradição de ter medo de suas fantasias, desejando que elas não prejudiquem outros ou até a ela mesmo. O Dr. Hans nunca tinha tratado de tamanho caso de automutilação mental e via que por dentro a mente de sua paciência desenvolvia uma perigosa psicopatia.

Ângela estava começando a ser um perigo para si mesma pelo fato de ter impulsos suicidas para satisfazer seus desejos mórbidos ao mesmo tempo em que tinha medo de ceder a esses impulsos. Prescrevera que precisavam interna-la o mais urgente possível.

Biliz via que a carreira de roqueiro não era o que desejava. Gostava de outros tipos de coisas e cantar sobre como descontar sua raiva nos outros lhe dava dores de cabeça constantes. Não concebia a idéia que tudo deva ser resolvido á bala e nas vezes que perdera a cabeça foi que se vira numa situação sem controle e tinha que se defender. Detestava brigar, apesar de ser faixa preta em muitas modalidades de luta e ninguém acredita que aquele homem de 1,90m, 112 quilos, cabeludo e com roupas de couro gosta de visitar doentes em hospitais, dar presentes em asilos e cantar coisas positivas para se sentirem bem. Via que a imagem que fizera para si e para os membros da banda era só marketing para adolescentes que idolatram o que não presta. Tem um casal de filhos e nem deixa que eles escutem a música que faz, preferindo que escutem música clássica ou qualquer outra coisa que não polua o cérebro, segundo ele.

Outras coisas estranhas que começou a receber por carta foram as fotos de uma moça morena de cabelos castanhos claros, olhos verdes e muito bonita sempre nua em cemitérios, necrotérios, abatedouros e nesse último em particular ao lado de um boi esquartejado.Deitado ao seu lado, no chão coberto de sangue ela estava em cima da mesa com a cabeça do boi no meio de suas pernas e molhada de sangue e com uma expressão de êxtase no olhar que olhava fixamente para o fotógrafo. Seu sangue gelou na hora. Quem tinha mente tão doentia?

Em carta anexa, também escrita com sangue, a tal moça dizia que ia se matar se jogando em uma máquina de fazer feno e ia mandar a fita para ele sonhar com ela. Assinado: Ângela.

Biliz já recebera outras dessas cartas, mas a cada foto a obsessão da moca aumenta cada vez mais e sua sanha em querer agradar seu ídolo não parecer ter fim e não queria ser culpado pelo fim de quem ultrapassou todos os limites de humanidade por ter levado á sério seu trabalho como cantor. Jurava que se ela morressse por sua causa, nunca mais cantaria e iria se mudar daquele ambiente doentio que se tornara a cidade onde vivia, pois seus filhos não podiam ser educados em ambiente tão cruel e nojento. Quando recebera a nova foto, chorou como nunca. A moça pediu para ser crucificada e seu nome fora riscado a ferro quente em seu peito. Parecia morta. Naquele momento, pegou todas as fotos de sua fã e todas as cartas (que ao todo chegavam a mais de duzentas) e fez uma imensa fogueira. A partir daquele momento, Biliz não quis mais saber de Ângela e seu fanatismo por sua banda. Toda vez que recebia uma carta de Ângela pedia para devolver ao remetente, e assim foi por dois meses.

Repentinamente parou de receber correspondências de Ângela.

Ficara aliviado, a obsessão dela por ele passou, pensara.

Estava mais do que enganado.

Durante uma madrugada recebera uma série de ligações dizendo que ele traiu a confiança de um fã e por isso ia morrer. Mas antes disso, seu casal de filhos será torturado, seviciado e morto com requintes de crueldade. Não precisava nem ser gênio para advinhar quem o ameaçava ferozmente, era sua “amiga” Ângela. Mas desta vez não se intimidou e no último telefonema respondeu que se ligar de novo ele a mataria. Silêncio e algum tempo depois ouvira um gemido de prazer do outro lado da linha. Nesse momento sentia que tinha que fazer algo.

Pediu para rastrear a ligação e descobrira que vinha de um hospital psiquiátrico. Tinha que pôr um fim nesse pesadelo.

***

Biliz fora impecável ao hospital, pois era a hora de conhecer sua maior fã, Ângela. Trouxera-lhe até flores e bombons, que em suas melodiosas cartas sempre pedia para lhe trazer, pois a vida no hospital era chata e monótona. O ídolo sorria, pois ninguém sabia mais de sua trajetória do que a doce Ângela. Deveria ser alguém especial para lhe amar tanto, pensava.

Estranhava o fato dela demorar tanto e as fotos que lhe enviara sempre a mostravam alegre e sorridente nos campos de flores no hospital. Pena que não tinha tempo para visitá-la, mas agendara um tempo, pois não podia menosprezar sua fã.

Repentinamente se encontra com o psiquiatra de Ângela, Dr. Hans.

Ele tentava disfarçar o choro. Perguntava o motivo de tanta tristeza.

Hans lhe explica que na noite anterior ela contara que Biliz ligara para ela dizendo que ele ia matá-la por mandar fotos obscenas para ele e que já estava cansado de receber tantas provas de devoção depravada a sua pessoa. Desconsolada, escreveu uma carta relatando o ocorrido, se encheu de remédios e cortou os pulsos. Acabara de falecer há quarenta minutos.

Biliz não entendia onde ela tirou essas idéias absurdas, pois nunca recebera fotos obscenas de Ângela. A mais provocante de todas elas estava de biquíni na praia. Onde estava a depravação nisso?

O Dr. Hans confessa que Ângela sofria de problemas psiquiátricos graves e seu estado se deteriorava a cada dia. Um deles eram os delírios de ver o contrário do que era a realidade e parecia que, aparentemente, ela estava melhorando por escrever para seu ídolo. Ledo engano. Ela via coisas que não existiam e dessa vez mergulhou fundo demais nas próprias fantasias. Mas tudo que fora possível fora feito, mas já era tarde demais.

Biliz pede para pelo menos ver seu corpo.

No necrotério, vê o corpo nu com os pulsos cortados e se aproxima. Dá um beijo em sua testa e pega as flores e bombons e envolve os braços de Ângela neles. Vira-se para ir embora e olha novamente e sorri. Percebe que naquele momento de dor e tristeza um pequeno sorriso se estampava em seu rosto pálido. Cobre-lhe o corpo, reza por sua alma e sai dali com a certeza que mudara sua cabeça, os jovens angustiados precisam de amor e compreensão e não mergulhar nas fantasias que eles próprios criaram que ás vezes pode lhes levar ao fim.

Naquele dia, a Bleeding Noses in Pain decretou seu fim.


terça-feira, agosto 02, 2005

testando do meus contos - A semente do mal parte 1

Estou escrevendo um livro de suspense e terror com as obsessões humanas e aqui vai uma amostra de um conto que está nele e queria uma opinião (aliás, precisava colocar alguma coisa nesse blog, não é?)

Obsessão macabra

Todas as pessoas procuram uma musa inspiradora e com Alex não era diferente, pois estava sempre em busca do ser perfeito que representasse seu ideal de mulher. Nunca estava satisfeito com nada, sempre encontrava algum defeito nas musas que escolhia ao acaso. Ora era um dedão torto, uma pinta nas costas, as nádegas que fossem uma maior do que a outra. A pior foi quando detestou uma moça que tinha as sobrancelhas desalinhadas.

Ele por si só não ficava atrás. Detestava o jeito que era e para tanto trabalhou feito um louco para mudar totalmente sua aparência. Fez musculação para definir o corpo, fez plásticas e tratamentos estéticos para melhorar o rosto e o corpo e quase toda semana faz as unhas e o cabelo com gente de sua total confiança que já conhece seus gostos. Alex era tão obcecado por beleza que se tornou belo do jeito que queria, mas queria encontrar a musa que não precisasse de meios artificiais para ser linda. Ficava frustrado quando via que seios maravilhosos eram silicone, narizes perfeitos e arrebitados eram correções plásticas. A única exceção que fazia era com relação á musculação, pois seu passatempo favorito era observar pessoas em trajes minúsculos suando para ter um corpo perfeito. Para ele não existia sensação melhor.

Estranhamente a melhor amiga de Alex não possuía nenhum dos atrativos que ele queria que uma mulher tivesse, era perneta, tinha uma mão menor que a outra, tinha um olho cego, era baixa e se vestia mal. Seu nome era Samantha. Curiosamente a afinidade de Alex com Samantha se tornou uma forte e firme amizade. Para ele os defeitos dela não tinham importância, pois o escutava e lhe dava conselhos de um jeito que nem sua mãe fazia.

Ás vezes ficava triste por Samantha ser deficiente e pensava o quanto era imaturo por se apaixonar por um ideal de pessoa. E se fosse mau caráter? E se fosse criminosa? Como lidar com isso?

Conversavam horas sobre quem gostariam de encontrar e sempre tinham a mesma opinião, só queriam quem os amasse de verdade. Mesmo com esses momentos de consciência, Alex não deixava seu sonho de lado (entre tantos outros, sendo que o principal de todos era que deixara de ser pobre pelo trabalho duro que realiza em sua vida profissional) e sempre procurava a musa que poderia mudar sua vida.

Não é que teve um rompante de seu sonho quando passava em frente á uma escola. Uma colegial com ar angelical que parecia uma divindade nos auge de seus dezoito anos, vestindo calça e blusa de agasalho passou rapidamente por ele. Observou-a de relance e encontrou a musa que procurara há tantos anos, era de altura ideal, cabelos bem tratados, olhos claros e fulgurantes, sem contar o corpo esbelto.

“Pirou” na hora pela bela ninfa que passou em sua frente. Como um louco a seguiu até o ponto e anotou o ônibus que pegara para ir para casa. Escondeu-se de tal forma que a moça nem percebeu a aproximação do fetichista Alex.

Os dias passaram e Alex cumpria seu religioso ritual até conhecer o nome de sua musa: Yasmim, tão doce quanto o perfume que lhe deu o nome.

Yasmim e Alex formavam um belo casal, mas ela nem notou estranhas obsessões por parte de seu recém namorado, ele a controlava por tudo que comia, o que vestia, pagava tratamentos caros para deixá-la impecável, uma verdadeira bonequinha.

Lógico que Yasmim gostou da dedicação que Alex lhe dedicava e os álbuns que ele fazia tirando fotos dela e eram tantas que tirou de sua musa inspiradora que preenchiam um livro que ele diagramou para especialmente para sua namorada que contava três volumes de 350 páginas cada, com prefácio e introdução todos assinados por ele para. Com o tempo Alex controlava Yasmim cada vez mais, não queria que sua pele estragasse no sol, suas unhas tinham que ser perfeitas. Alex trabalhava competentemente e nem pensava em sua namorada, o problema era quando estava de folga na qual sua devoção por ela era total. Alex tinha um bom trabalho, era embalsamador de corpos, pintor e arquiteto ao mesmo tempo e ganhava bem, pois tinha bastante empregados e era um perfeccionista em tudo que fazia. Mas tinha um grave defeito, querer que sua namorada fosse do jeito que ele queria que fosse. Foram inúmeras as vezes que ele foi á casa de Yasmim para desnudá-la e conferir se todo seu corpo tinha uma mácula, uma cicatriz, se estava bem depilada, se sua pele estava hidratada, se havia dormido bem. Yasmim achava engraçado ele passar horas com uma lupa vendo-a nua e conferindo seu corpo milímetro por milímetro e se encontrasse um cravo sequer lá se ia ela para o dermatologista tratar a “deformidade” de seu corpo. No escritório de Alex curiosamente não havia fotos nem pinturas de Yasmim, ele era extremamente ciumento com relação á sua namorada e ela só saía de casa sozinha se fosse para estudar (pagava cursos caros para melhorar a cultura dela), nadar para manter o corpo em forma, ginástica e outros mimos além de uma mesada mensal para ela gastar com o que quisesse (que cá entre nós não era nada modesta). Com o tempo essa vida de princesa cansou a jovem Yasmim, ela queria comer um cachorro quente, um churrasco gorduroso e tomar sol até torrar.

Quando foi á praia e voltou bronzeada, o mundo de Alex ruiu. Sua musa estava estragada. Era exagero da parte dele, pois Yasmim estava fulgurante com seus cabelos negros lisos, seus olhos verdes e sua pele bronzeada. Parecia uma deusa. Alex ficou sem falar com ela durante um mês e a deixou solta até sua cor voltar ao branco cera que ele impôs á ela. Ficou mais obcecado por ela. Acreditava que desvirginá-la iria tirar a pureza de seu corpo e deixou-a imaculada para si mesmo. Queria que ela ficasse em sua casa nua e desfilando para ele enquanto assistia televisão e todas as vezes que se encontravam. Proibiu-a de usar roupa de baixo para não marcar seu corpo, não podia usar jeans para não impedir a circulação de suas pernas, usava sandálias para não deformar seus pés. Quando ia para a escola, via se usava calcinha e sutiã e se fizesse menção a usar mandava tirar imediatamente. O que era uma vergonha, pois quando ia se trocar para a educação física estava sem nada por baixo do uniforme.

Por ser rico, Alex pediu seis meses de férias para cuidar de seu bibelô. A vida de Yasmim se tornou um inferno indescritível. Discussões aconteciam por ele submete-la a tanta obsessão sem sentido. Ele não batia nela, pois tinha medo que ficasse com marcas. Para convence-la que era vingativo passou a traze-la para sua casa e matava animais em sua frente. Fazia-a se banhar no sangue de suas vítimas e a deixava cheirando aquela mistura fétida de suor e sangue seco por dias a fio. Como morava sozinha e recebia dinheiro dos avós para ficar na cidade, se sentia desprotegida e começou a aceitar mais as obsessões de Alex.

Nada envolvia sexo. Ele detestava a idéia de possuí-la. Não a traía nunca e via-se que sua personalidade fetichista o estava matando. Yasmim quis conselhos de Samantha, mas ela dizia que Alex era assim e se quisesse que ele parasse de sofrer que desse um susto nele.

Procurou um maquiador de efeitos especiais e pediu que fizesse cortes horríveis em seu rosto para pregar uma peça em um amigo. Assim foi feito.

Quando Alex foi ver sua musa tomou um susto, encontrou-a rasgada no chão da cozinha e sangrando muito. Seu cabelo cobria o rosto.

Alex temia o pior. Levantou o cabelo de Yasmim e vira que seu olhos foram arrancados e que seu corpo estava todo riscado de faca e ela parecia estar morrendo.

Entrou em choque, seu mundo perfeito estava desmoronando. Foi para seu carro e pegou uma arma. Antes de atirar disse que se não tivesse sua perfeição ao seu lado preferira morrer. Encostou o revólver no queixo e atirou. Morreria quatro dias depois após um coma irreversível.

Yasmim continuava mais bela do que nunca. Só que desta vez a obsessão mudou de dono.

Todos os anos ia para a sepultura de Alex e mostrava para ele o quanto se cuidava e se guardava para ele. Yasmim era assombrosamente linda, mas não deixava que ninguém a cortejasse e descobriu-se que ela desenvolvera outra patologia como Alex. Era necrófila.

Aprendeu com os empregados de Alex o embalsamamento de corpos e nisso tornou-se melhor do que seu namorado. Mas não falava com ninguém, só com seus objetos de trabalho.

Yasmim viveu mais de noventa anos e nunca perdeu a beleza. Conservou-se pura e casta até o fim.

Seus últimos desejos foram que seu corpo fosse cremado junto com os ossos de seu amado Alex e assim estariam juntos para sempre.

Assim os dois se tornaram perfeitos cada um a sua maneira. Perfeitamente unidos para sempre.